De mão em mão

Foi sem medo que te vi
À minha porta parada
Cheia de futuros
D'aventuras recheada,
Quando um olhar doce me fez sair
Para o frio.
Corri para o alpendre
E vi-te enquanto me olhavas nú.

Prometeste-me só uma viagem
E um destino cru,
E que me deixarias um dia
Pela mão ossuda
De uma outra mulher.

Eu, que nem sapatos tinha,
Não sabia nem ao que o ar sabia.
Não sabia o que tem
Quem contigo ia,
Igualmente descalços
Sem Verdades que os faça
Levantar o dedo,
Ou fantasias que lhes deem
A conhecer o medo.

Em casa estava bem e só,
Muito porque não conhecia
A que sabe a companhia
Ou o amargo da desilusão,
A dureza da conquista,
Fogos-fátuos e fogos de vista.
Não conhecer nada era uma bênção
Com que me amaldiçoaram.

Dei-te a mão.
Dei-te mais tarde tudo o resto
Sem promessas,
Sem saber dos outros
Ou para que presto.
Dei, dei, dei.
Dei porque só a dar recebo,
Só a caminhar chego
Ainda que à outra Senhora.

Duas certezas, uma escolha.
Um viagem crua
Numa mão nua,
Outra morada muda
Numa mão ossuda.
Ir ou ficar.

Vou-me do alpendre
Para o frio tenaz,
Dou-te a mão, vida,
Sem mais olhar para trás.





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