Madrugada

Esta madrugada, fizemo-la nós.
Vai caindo suave, paciente, inevitável,
E as mobílias deste pátio
Estão choradas do orvalho.
O vento não corre, como que em protesto,
E vai solto o odor de uma juventude
Bebida, tabaqueada, sonolenta, farta,
Alienada.

Ao longe troam sinos matutinos,
Uiva-se, cacareja-se, rasteja-se,
Veste-se o tempo de um garmento pueril.
Limite de estrutura,
Limite de condição,
Limite social.

Aqui, neste recreio cercado sem tempo,
Sonha-se pouca vontade,
E a ressaca de um privilégio herdado
Não se sente com verdade.

Aqui, nesta paz podre,
Morrem os quereres que importam
Em lutas pelo imediato.
Este jardim de juventude adormecida
Sepulta o passado à distância
De um sulco de arado de ignorância.

Ai mas eu, logo eu que ao pecado,
Caso o houvesse,
Pouco faltei!
Eu que bebi, fartei, dormi e tabaqueei!
Eu, que limitado, ressaco uma luta
Sem história de caduca!

Esta azia que sinto
Sob o choro deste orvalho,
Neste jardim despojado,
No afago deste ar parado,
É a de uma entranha sem maldade
Sob o peso da responsabilidade
De bradar ao mundo atroz,
Esta madrugada, fizemo-la nós!

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